Plantio direto em soja
Índice de ConteúdoA agricultura passa a ter papel estratégico diante de um grande dilema mundial: o aquecimento global. Em países onde a atividade agrícola é tão significativa, como o Brasil, o protagonismo dos produtores rurais é indispensável na luta contra as mudanças climáticas.
“A agricultura, a silvicultura e outros tipos de uso do solo representam de 23% a 25% das emissões humanas de gases do efeito estufa”, afirma Jim Skea, copresidente de grupo de trabalho do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU (Organização das Nações Unidas).
Por outro lado, segundo ele, “os processos naturais do solo absorvem dióxido de carbono”. Ou seja, de acordo com o especialista do IPCC, as práticas relacionadas ao solo, como a agricultura, desempenham papel importante no sistema do clima.
Diante desse contexto, produzir alimentos, fibras e energia para uma população mundial crescente e com saldo positivo de captura de carbono é um grande desafio para a agricultura moderna.
Mas diferentes práticas podem ser adotadas pelo setor agrícola para mitigar a emissão de gases poluentes pela atividade. E mais do que isso! A agricultura pode desempenhar importante papel no sequestro do carbono presente na atmosfera, o que pode ainda render vários benefícios ao agricultor.
Em linha com esse desafio, o produtor agrícola pode praticar e aperfeiçoar uma agricultura de baixo carbono. Confira as vantagens desse modelo de produção e conheça diferentes práticas e tecnologias que podem contribuir para um setor agrícola mais sustentável, como as ferramentas da agricultura digital.
O sequestro de carbono é o termo utilizado para indicar a exclusão do gás carbônico (CO₂) da atmosfera e transformar em oxigênio (O₂). Esta técnica é feita de forma espontânea pelos oceanos, florestas e solos.
O carbono é parte importante da vida na Terra, mas também é um problema. “Quando queimamos o carbono estocado, seja pelo consumo de combustíveis fósseis ou mesmo por queimadas, por exemplo, a quantidade de carbono na atmosfera fica maior que o normal, e isso causa o aquecimento global”, afirma Eduardo Brito Bastos, diretor de Sustentabilidade Latam da Bayer – Divisão CropScience.
“E as escolhas que fazemos sobre a gestão sustentável do solo podem ajudar a reduzir e, em alguns casos, a reverter esses impactos adversos”, afirma Kiyoto Tanabe, copresidente da Força-Tarefa sobre Inventários Nacionais de Gases do Efeito Estufa.
Considerando a grande capacidade do setor agrícola de sequestrar carbono da atmosfera, a atividade pode, de maneira significativa, contribuir para que o Brasil cumpra a proposta que apresentou em 2019, na 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15): reduzir, voluntariamente, a emissão de gases de efeito estufa (GEE), entre 36% e 39% até 2020.
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Pelas projeções apresentadas em 2009, somente a simples recuperação de 19 milhões de hectares de pastagens degradadas diminuiria a emissão de carbono em 132 milhões de tCO2eq até 2020, ou 13% do total prometido na COP-15.
No debate mundial sobre mudanças climáticas, o setor que inclui o agro é chamado de “Agricultura, Floresta e Outros Usos da Terra”. Esse segmento, segundo Bastos, representa cerca de 25% das emissões globais, sendo que pouco mais de 10% vêm diretamente da agricultura.
A agricultura pode ser uma grande parceira no desafio global de capturar parte do gás carbônico da atmosfera e armazená-lo no solo de modo seguro, visando à mitigação do efeito estufa. Este processo também é conhecido como sequestro de carbono – uma terminologia que está crescendo em nível internacional.
O mundo tem realizado inúmeros esforços para capturar esse carbono do ar. Contudo, esses esforços têm consumido bilhões de dólares e exigem sofisticados equipamentos.
Mas, no sistema de produção agrícola, esse processo de captura do carbono da atmosfera já ocorre naturalmente, sem segredo. É que as plantas já fazem isso na sua essência, através da fotossíntese, e adotando práticas agrícolas que são consideradas de baixo carbono. São ações que armazenam mais carbono no solo do que emitem de volta para o ar.
“Hoje sabemos que, por meio de boas práticas de manejo, principalmente plantio direto, rotação de culturas ou por práticas que produzem mais alimento por hectare, existe um maior nível de sequestro de carbono naquele solo”, salienta Fábio Passos, diretor da Venture de Carbono da Bayer.
Bastos explica mais detalhadamente o processo. “As plantas, ao realizarem a fotossíntese, capturam carbono da atmosfera e o convertem em carboidratos. Parte disto volta ao ciclo da vida, na forma de alimentos, fibras, energia etc. Outra parte fica armazenada como madeira, raízes etc. Parte dessas raízes e folhas secas, por exemplo, se decompõe com o tempo e se transforma em matéria orgânica, que, além de ser rica em carbono, também armazena água, nutrientes e aumenta a biodiversidade”, esclarece o executivo da Bayer.
Ou seja, a agricultura pode contribuir, de forma simples e econômica, com o sequestro de carbono.
Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq/USP, afirma que há três vezes mais CO2 fixado no solo do que na atmosfera. Por isso, se o solo não for manejado de forma adequada, esse carbono é liberado, favorecendo o aquecimento global.
Para contribuir na luta contra a emissão de gases de efeito estufa e com a mitigação do aquecimento global, a agricultura brasileira deve adotar práticas que potencializam o sequestro de carbono. Mas como?
O Brasil já possui diferentes políticas públicas e ferramentas para redução da emissão de gases de efeito estufa, como o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), coordenado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e executado pela Embrapa e parceiros, com vigência, a princípio, para o período de 2010 a 2020. Em linha com essa política, o governo federal criou, em julho de 2020, a Comissão Executiva Nacional do Plano Setorial para Consolidação da Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura.
Para isso, a Embrapa informa que o Plano ABC é estruturado nos seguintes programas:
Neste plano, estão previstas diversas ações para cada um desses programas, envolvendo: divulgação, capacitação de técnicos e produtores, transferência de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, regularização fundiária e ambiental, linhas de crédito para fomento à produção sustentável, produção e distribuição de mudas florestais, disponibilização de insumos para agricultores familiares, contratação de assistência técnica, entre outras.
Existem processos que podem tornar a produção agrícola mais sustentável, como o SPD (Sistema de Plantio Direto), quando a mobilização de terra é efetuada em menor escala, de forma que a sua qualidade seja preservada. Outra prática é a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN). Ao substituir o uso de adubos nitrogenados na cultura da soja, a fixação biológica de nitrogênio influencia de forma positiva a qualidade do solo.
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Ao se adotar práticas agrícolas que possibilitem a captura do carbono, o setor agrícola pode ajudar no não acúmulo desse gás na atmosfera e, portanto, na redução das consequências do aquecimento global para a população em geral.
Ao contribuir com a mitigação das mudanças climáticas, o produtor também está prevenindo os seus reflexos sobre a própria atividade agrícola, como a severidade de eventos extremos do clima, a alteração da temperatura do ar, a modificação na ocorrência de pragas e doenças, a interferência no regime de chuvas, entre outros. Fora os benefícios agronômicos das práticas adotadas, como plantio direto, fixação biológica de nitrogênio e rotação de cultura.
O sequestro de carbono passará a ser mais valorizado quando o produtor rural tomar consciência do que isso significa, na opinião de João Carlos de Moraes Sá, professor do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
No momento em que se desenvolve uma atividade agropecuária com base na conservação do carbono, há inúmeros benefícios para a própria qualidade do solo. “O carbono é componente-chave de vários atributos ao solo, aumentando a porosidade, a infiltração e a possibilidade de armazenamento de água. Também permite que as plantas desenvolvam o seu sistema radicular em profundidades maiores”, relata o professor.
Em períodos de veranico, o solo tem condição de armazenar água por mais tempo e dá suporte à planta nas fases críticas. “Então, o sequestro de carbono tem benefícios muito importantes não apenas na resposta da planta, mas também na qualidade do solo e do meio ambiente”, acrescenta.
No Brasil, o plantio direto já é responsável pelo sequestro de pelo menos 13 milhões de toneladas de CO2 ao ano
O produtor agrícola pode ter outros benefícios sequestrando carbono na sua propriedade, inclusive vantagens econômicas. O agricultor pode entrar, por exemplo, para o mercado de carbono e ter uma renda extra. “Neste mercado, os produtores agrícolas podem receber retorno financeiro por capturar e estocar carbono, se eles puderem provar isso”, salienta Bastos.
“No mercado mundial de crédito de carbono, as empresas têm cada vez mais ido às bolsas, feito compromissos. Embora muitas ainda de maneira voluntária, o impacto é grande”, ressalta o diretor da Venture de Carbono da Bayer.
“Este mercado, em 2019, movimentou mundialmente mais de US$ 210 bilhões. A agricultura poderia ter ao menos 10% desse mercado, que é aproximadamente o percentual das emissões do agro”, revela o executivo da Bayer.
Bastos explica que, como existem muitos países e empresas que estão comprometidos a reduzir essas emissões ou a aumentar a captura, este mercado de carbono converte uma tonelada desse gás em um crédito. E este crédito, em dinheiro.
“O mercado de carbono ainda não é muito conhecido no Brasil, especialmente na agricultura, e é relativamente recente em todo o mundo, mas está em franca expansão. É um mercado em que se valoriza justamente o sequestro do carbono”, relata o professor Moraes Sá.
Segundo ele, empresas do mundo todo, de diversos setores, vão atrás de produtores de carbono e pagam para que eles façam esse sequestro. Dessa forma, haveria um certo equilíbrio entre o que está sendo despejado de gás carbônico pelas indústrias e o que é sequestrado de carbono para o solo. “As grandes indústrias pagam grandes quantias ao produtores para que eles continuem fazendo o sequestro de carbono em suas propriedades”, explica o professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
“O mercado de carbono será – o que eu chamo de – uma bonificação, que irá premiar estes bons serviços que o produtor poderá fazer ao ambiente e, naturalmente, garantindo a sua sobrevivência com maior qualidade no campo”, finaliza o professor Moraes Sá. Outras iniciativas que podem, no futuro, render ao produtor a venda no mercado internacional de créditos de carbono são agricultura de precisão e rotação de cultura.
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Atualmente, os projetos de venda de crédito de carbono oriundos da agricultura não são aceitos pela ONU. No entanto, já há títulos sendo vendidos nas bolsas paralelas de carbono, como a Chicago Climate Exchange (CCX) e o Fundo Protótipo de Carbono (Prototype Carbon Fund), do Banco Mundial.
Uma companhia global muito alinhada com o desenvolvimento de uma economia de baixo carbono é a Bayer, o que mostra que o mercado já se preocupa com a premência em mitigar os GEE e sequestrar o CO2 no campo.
De acordo com Bastos, a Bayer está trabalhando em três principais áreas, visando ao sequestro de carbono na agricultura:
Em consonância com essa visão, a Bayer lançou, em julho de 2020, um programa piloto, voltado inicialmente ao Brasil e aos Estados Unidos, chamado Iniciativa Carbono Bayer. O projeto visa oferecer recompensas para os agricultores que adotarem práticas de sequestro de carbono.
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Cerca de 500 produtores rurais brasileiros foram selecionados para participar do projeto, principalmente de cultivos de soja e milho, em 14 estados, mas o objetivo é ampliar a proposta nos próximos anos e expandi-la para outros países. Para implantar a iniciativa no Brasil, a Bayer terá o auxílio da Embrapa e de centros de pesquisa específicos da instituição.
“E para fazer este projeto ser viável, vamos desenvolver, junto aos produtores, metodologias que não apenas garantam que o carbono seja mantido no solo, mas também que permitam fazer isso de modo escalável e com custo viável”, explica Passos.
Segundo ele, a expectativa da iniciativa é, junto aos produtores e vários elos da cadeia, estabelecer um mercado viável para a agricultura. Hoje, por exemplo, o custo para mensuração desse carbono é alto; está por volta de R$ 100,00 por hectare, bem acima do que o agricultor receberia, que seria algo entre R$ 20,00 e R$ 30,00 por hectare.
“É uma conta que não fecha. Pelos custos da verificação feita, hoje, pelas certificadoras internacionais, o agricultor não conseguiria fazer esse sequestro. O que queremos é trazer para o mercado uma metodologia viável, com custo acessível, para que consigamos implementar o novo mercado de carbono”, pontua Passos.
Os agricultores participantes do projeto piloto da Iniciativa Carbono Bayer já utilizam a plataforma Climate FieldViewTM, pois a ferramenta tem papel importante nas medições e implementação do programa.
“Com a utilização de plataformas de agricultura digital, como o FieldView™, permitirá ao agricultor fazer o levantamento de dados com agilidade e segurança, através da ciência dos dados, coletando dados do campo durante a própria operação agrícola”, diz Bastos.
Com esse projeto, de acordo com Passos, a expectativa da Bayer é contribuir com a abertura do mercado de carbono para a agricultura. “E diante do desafio mundial de sequestrar carbono, a agricultura é boa parte da solução”, destaca.
“Nosso objetivo, com esta iniciativa, é ampliar o pensamento do agricultor, mostrando o impacto das boas práticas numa visão concreta. Ele não irá apenas sequestrar carbono e ter renda extra, como também irá preservar mais o solo, e isso vai refletir em produtividade”, enfatiza Passos.
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