Antes mesmo de o galo cantar, é hora de pular da cama. A mulher no campo se arruma para mais um dia de labuta na lavoura
Márcia Piati, produtora rural em sua lavoura de soja, no Oeste do Paraná
O número de mulheres na agricultura tem crescido desde a operação do maquinário até à gestão do negócio. Elas comandam cerca de 20% dos estabelecimentos rurais. Cada vez mais capacitadas, sabem que agricultura com alta performance não se faz sem inovação e tecnologia.
Enquanto a bateria do tablet e do celular é recarregada, dá tempo de passar o café, acordar as crianças para a escola e conferir a agenda do dia. Tudo pronto? É hora das #mulheresdoagro partirem para a lavoura.
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Na rotina do setor agrícola, as mulheres no campo são cada vez mais numerosas e desempenham inúmeras funções essenciais para a atividade, o que mostra que há uma crescente representatividade feminina no setor. Sempre deixam sua marca, como atenção aos detalhes, organização, bom relacionamento com os funcionários. Estão em todos os cantos da fazenda: no meio do talhão, na operação de máquinas, no laboratório, no comando da lavoura, o trabalho feminino rural é completo e dinâmico.
O empoderamento feminino na agricultura moderna não é apenas uma constatação. É sinônimo de revolução, uma vez que ambientes diversos e que estimulam o desenvolvimento de profissionais, independente do gênero, performam melhor. Acompanhe, a seguir, o crescimento da presença das mulheres no agro, o quanto estão antenadas à inovação e novas tecnologias e acompanhe, ainda, depoimentos de mulheres bem-sucedidas no campo.
Segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), atualmente, 60 milhões de mulheres trabalham no campo na América Latina e Caribe, cumprindo papel central na produção e abastecimento de alimentos. Na região, elas são responsáveis pela produção de 60% a 80% dos alimentos consumidos.
Com as mulheres na agricultura através do empoderamento feminino, faz com que aumente a atuação da mulher, tanto em funções operacionais como de comando, e isso é crescente em diferentes países tornando a como protagonista. No Brasil, dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que cerca de 1 milhão de mulheres dirigem propriedades agrícolas no país – 20% do total de estabelecimentos rurais, segundo o Centro Agropecuário de 2017, o que representa um crescimento de 38% em relação ao Censo de 2006.
Apesar disso, no setor agrícola brasileiro o número de engenheiras agrônomas ainda é bem menor do que o de engenheiros: elas são 20% do total de graduados, segundo o sistema Confea-Crea. Mas, ao se visitar os cursos de Agronomia pelo país, já é perceptível que a proporção de mulheres nas turmas é cada vez maior.
Na opinião de Sílvia Carvalho, executiva de pesquisa da Weplace, há vários motivos que têm influenciado essa mudança. Engenheira agrônoma de formação, Sílvia enumerou alguns deles, em entrevista para a Revista Globo Rural: “a demanda por formações acadêmicas mais diversas nas empresas que atuam no agronegócio, a criação de políticas corporativas de equidade de gênero, mentalidade de lideranças mais modernas e até os altos salários pagos para executivos do setor no Brasil”.
Para Paula Lunna Rodrigues, representante de vendas da Climate FieldView™, ainda são poucas as mulheres no campo diante do tamanho e da proporção do agronegócio no Brasil. “Temos uma herança cultural de uma sociedade machista e patriarcal, e as propriedades rurais são, em sua maioria, uma herança de família – não só de terras, mas também de tradições. Não é fácil quebrar uma tradição familiar, social”, analisa.
Mas reconhece que, embora tenha demorado em relação a outros setores da sociedade, “a maior presença das mulheres na agricultura também está se tornando realidade”, aponta Paula, que tem especialização em comunicação e sustentabilidade.
Vale a pena conferir, a seguir, a história de superação de duas mulheres que têm a agricultura como vocação.
Originária de uma família de pequenos agricultores de Santa Catarina e que se fixou em Céu Azul, no Oeste do Paraná, a produtora rural Marcia Piati Bordignon cresceu vendo seus pais e avós cultivando soja, milho e trigo. Pela tradição que ainda vigora no campo, é o filho homem que dá prosseguimento aos negócios do pai, assumindo a sucessão da propriedade. Mas quis o destino que esta história fosse diferente na casa de Márcia. “Meus pais tiveram quatro filhas e eu sou a primogênita”. Ela foi buscar conhecimento e hoje lidera, com o apoio da mãe e das irmãs, a fazenda da família.
Ela e as irmã foram, desde cedo, criadas na cidade. Deveriam estudar e trabalhar, seguindo um rumo fora da fazenda. Tanto que se formou em Matemática e, por alguns anos, lecionou em escolas da região. Mas uma tragédia mudou esta escrita: em 2008, Marcia perdeu seu pai.
A partir de então, nunca mais lecionou. Aos 27 anos, voltou para a fazenda, unindo-se à mãe na gestão da propriedade. Porém, não foi tarefa fácil. Era complicado conseguir funcionários para trabalhar na lavoura. “Não aceitavam receber ordens de mulheres. Também ninguém acreditava que daríamos conta do recado. Apostavam que logo iríamos arrendar a lavoura, que venderíamos o patrimônio e iriam perder o emprego.”
Márcia Piati: Mulheres no campo e tecnologia
Mas a história foi bem diferente. Marcia foi buscar conhecimento: fez cursos de mecânica, de plantio direto, de uso de insumos, de administração rural. “Meus colegas de curso eram sempre homens e me deixavam, em muitos momentos, excluída, isso quando eu não era motivo de piadas. Mas sempre recebi apoio dos instrutores”, recorda-se. Marcia tinha fome por conhecimento, porque sabia o quanto isso iria fazer a diferença. “Estudei muito, não perdia uma palestra na área, e tentava colocar o máximo do que aprendia em prática.”
Também não teve medo de ir para o campo. Se não tinha funcionário suficiente para o plantio, Marcia e sua mãe se juntavam para levantar um saco de 50 kg de fertilizante para abastecer o equipamento. E, assim, os últimos doze anos se passaram, com muito suor, aprendizado diário e organização.
Hoje Marcia orgulha-se de ter se juntado à matriarca para, com o apoio de suas irmãs, manter a propriedade da família. E próspera! “Além de pagar as dívidas, já aumentamos em 40% a fazenda, tanto em terras como em máquinas.”
E se antes eram motivo de piada e ceticismo, hoje mãe e filha são conhecidas na região como referência de produtividade e manejo da terra. “Sou parada pelos meus vizinhos para dizer que variedade vou plantar, e qual manejo vou fazer.” Esta trajetória é o maior legado que, certamente, vai deixar para as suas duas filhas: Isabela, de 8 anos, e Heloísa, de 3.
Numa das regiões mais prósperas do agronegócio brasileiro, Rio Verde, no interior de Goiás, a engenheira agrônoma Patrícia de Faria Dias, gerente da Sementes Vitória, dedica-se à produção de sementes certificadas.
Antes de escolher essa carreira, pensava mesmo em ser médica. Mas o destino falou mais forte: certa vez, quando foi conhecer a universidade em que o irmão estava cursando Agronomia, em Lavras (MG), mudou de ideia. “Um ano depois já estava estudando para ser engenheira agrônoma e feliz pela mudança de área”, confidencia.
Hoje percebe a presença cada vez maior de mulheres atuando no setor agrícola, e em diferentes áreas. “Já são várias, e vejo que ultimamente elas vêm ocupando novas vagas que antes eram só ocupadas por homens.”
Para ela, “a mulher está conquistando o lugar que já era dela de direito”. Mas isto não acontece por acaso: “a mulher está evoluindo. Percebeu que o que conta é a competência, o conhecimento e o comprometimento”, diz Patrícia, que completa: “seja quem for, uma mulher, um negro, uma pessoa de menos ou mais idade, o que importa é ser competente. E é este o papel da mulher no agro, demonstrar que pode ser tão competente quanto qualquer um”.
As mulheres já ocupam funções em todas as áreas do agronegócio
A performance das mulheres no dia a dia do campo não deixam nada a desejar quando se fala de alta performance, segundo Paula. “O que elas não têm, culturalmente, é o mesmo espaço e as mesmas oportunidades para mostrar isto. Conheço produtores que não querem passar às filhas a liderança da propriedade e mulheres que nunca tiveram a possibilidade de ‘cogitar’ tomar a frente dos negócios, estudar, se desenvolver. Foram criadas para serem do lar ou complementar a renda da fazenda com atividades domésticas ou culinárias”, relata.
Na visão de Marcia, mulheres e homens têm peculiaridades que, quando somadas, permitem que o negócio tenha muito mais chances de sucesso. “Os homens são mais visionários, ambiciosos, têm uma tomada de decisão muito rápida. Já as mulheres são ótimas em planejar, organizar, otimizar. Quando unimos isso, temos uma equipe pra ganhar”, opina a produtora rural.
As características que são inerentes às mulheres são muito bem-vindas ao agro. Depois que assumiu a propriedade da família, ao lado de sua mãe, Marcia observou que a gestão do negócio evoluiu. “Isto fica claro no sentido da organização, do planejamento futuro, do cuidado com os pequenos detalhes no manejo da lavoura, o que nos trouxe uma resposta muito boa em produtividade.”
“As mulheres estão conquistando seu espaço nesse segmento justamente pelos resultados que vêm alcançando. Nós temos muito a contribuir com o agro e já estamos mostrando isso no dia a dia, desde a mulher produtora rural até a mulher que ocupa um alto cargo em uma empresa”, analisa a engenheira agrônoma Thais Caroline Echer, assistente Técnica Digital da Climate FieldViewTM, sediada em Londrina (PR).
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Em pesquisa encomendada pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), intitulada “Todas as Mulheres do Agronegócio”, a maior parte das mulheres entrevistadas (74,2%) afirmou já ter sofrido algum tipo de preconceito no setor.
Marcia ainda sente fortemente o preconceito contra as mulheres no setor agrícola. “Quando saio da minha região e me apresento como agricultora, já ligam isso a eu ser a esposa de um produtor. Isto quando não perguntam por que meu marido não veio”, conta. E ainda acrescenta: “isto só me faz querer ser melhor, para provar que as mulheres são tão boas quanto um homem em qualquer área profissional”.
Ela observa que hoje já é possível encontrar mulheres gerenciando propriedades rurais, bem diferente de 12 anos atrás, quando começou. “Vejo que as empresas as recebem para fazer negócios. Mas o número ainda é pequeno, e isso é cultural, é familiar. Infelizmente a mulher não é incentivada desde cedo.”
As mulheres no campo precisam se posicionar cada vez mais, impondo respeito e credibilidade, na visão de Thais. “Nós mesmas já estamos mudando a ‘cultura antiga’ com os nossos resultados, que são entregues no dia a dia do trabalho”, ressalta.
Quando se fala sobre mulheres ocupando funções de liderança no agronegócio, a realidade mostra que o segmento ainda tem que evoluir. “Elas ainda não estão em grande número em cargos de comando porque não é fácil quebrar as resistências. Mas, com certeza, em menos tempo que se imagina, teremos mais mulheres competentes assumindo posições de comando e mostrando o que podem fazer”, observa Patrícia.
Paula também constata que a mulher na agricultura está superando o preconceito e assumindo espaços de liderança. “Está longe do ideal, mas, em empresas, em associações, as mulheres já conseguiram se posicionar.”
Para ela, até a chegada da internet no campo é um fator que ajuda a impulsionar a maior presença feminina em funções de liderança no agro. “Antes, era inconcebível pensar sobre uma mulher trabalhar na roça. Hoje, vendo que existem mulheres ‘mandando’ bem no setor, a mensagem se multiplica para outras e vai gerando uma onda positiva de que ‘nós podemos’”.
Thais Echer concorda com Paula. Para ela, a mulher é uma peça fundamental para o desenvolvimento da agricultura. “Temos um papel muito importante de inspirar e encorajar outras mulheres, demonstrando a nossa capacidade e apresentando os resultados que vêm sendo obtidos por mulheres que lideram fazendas, empresas agrícolas etc.”
“É importante termos exemplos de mulheres no campo para que outras possam se inspirar”, ressalta Thais, destacando ainda que o espírito de liderança já é inerente a elas, o que é um valor importante que trazem para o setor agrícola.
Uma maior presença da mulher é fundamental para o desenvolvimento da agricultura digital
A imagem que se tem de que o trabalho rural requer força braçal não tem sido um impedimento para o engajamento das trabalhadoras nas atividades agrícolas. No entanto, é fato que a evolução da aplicação tecnológica tem contribuído para que elas tenham presença cada vez maior no setor. Isto porque, além de oferecerem inúmeras funcionalidades agronômicas, as tecnologias colaboram para que o trabalho no campo tenha um cunho mais estratégico e de planejamento.
“Particularmente adoro trabalhar com estas ferramentas. Trazem eficiência para o campo e é o que mais precisamos hoje”, salienta Patrícia. E as mulheres, que estão cada vez mais capacitadas e antenadas à evolução tecnológica e à agricultura 4.0, sabem o quanto ferramentas, como as digitais, são imprescindíveis para se potencializar a performance da lavoura.
Na opinião de Marcia, as mulheres estão mais abertas às novas tecnologias. “Geralmente o homem olha apenas o preço ao adquirir uma tecnologia. Já a mulher observa as melhorias, otimizações que serão geradas na propriedade, não tem medo de experimentar, e elas também testam antes de descartar.”
Segundo Paula, a mulher tem total capacidade de incorporação da inovação no setor agrícola. Porém, para alcançar patamares mais altos de desenvolvimento, se posicionar e conquistar espaços, precisa de mais esforço e mais dedicação. “Desta forma, vejo que nós temos mais abertura ao novo, ao aprendizado, às novas tentativas e a formas inovadoras de trabalhar, porque sempre precisamos estar muito capacitadas e qualificadas para concorrer às mesmas posições em que homens seriam menos exigidos”, analisa a RTV da Climate FieldViewTM.
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Sobre o papel das mulheres no futuro da agricultura brasileira, “A presença cada vez mais numerosa da mulher no agronegócio não tem mais volta”, afirma Patrícia. “A janela está se abrindo. Cabe a elas, se quiserem atuar no setor e ter funções de destaque, continuarem investindo no conhecimento”, diz.
Qual é o segredo para conquistarem o seu espaço no agro? “Além da capacitação, precisam de muito profissionalismo e trabalhar em sintonia com o campo”, aconselha Patrícia. “Não importa que a posição conquistada não seja de comando. O mais importante é, antes de tudo, ser feliz.”
“A cada ano, encontro mais mulheres no agro”, sinaliza Marcia. “As empresas estão descobrindo a importância delas para o sucesso do seu negócio. Hoje as mulheres se dedicam muito mais, estudam mais, pois infelizmente elas têm que provar que são duas vezes melhores que um homem pra assumir um cargo.”
E empresas que atuam no agronegócio brasileiro também estão comprometidas a abrir espaço e a valorizar a presença feminina em seus próprios quadros e no setor como um todo. Com o objetivo de reconhecer estas mulheres, enaltecendo e dando voz à atuação feminina no agro, a multinacional alemã Bayer, em parceria com a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), criou o Prêmio Mulheres do Agro, que já está em sua terceira edição.
De acordo com Daniela Barros, diretora de Comunicação Corporativa para a área agrícola da Bayer Brasil, com esta iniciativa, a companhia reconhece a força e a importância da mulher dentro e fora da porteira e quer contribuir para que a atuação feminina na liderança do agro seja cada vez maior, eficiente e definitiva. “Por isso, por meio do Prêmio Mulheres do Agro, estamos comprometidos em mostrar histórias de agricultoras que, diariamente, fazem a diferença na produção de alimentos no Brasil”, explica.
Apesar das iniciativas que já existem pela valorização da mulher e pela busca da equidade entre os gêneros no campo, Marcia tem um sonho: ver todas as propriedades rurais familiares sendo geridas pelo casal, unidos, ambos tendo total conhecimento e envolvimento nas tomadas de decisões.
“E se os homens não se dedicarem tanto quanto as mulheres em seu aperfeiçoamento profissional, também quero ver os grandes cargos de gestão agro sendo disputados apenas por mulheres”, projeta a mãe das pequenas Isabela e Heloísa. Que essas mudanças, que já estão em curso, sejam ainda mais acentuadas na década que se inicia.